segunda-feira, setembro 03, 2007

A dúvida.

Estive a ler, deslumbrado, algumas passagens do livro Mother Teresa: Come Be My Light, que expõe a crise de fé que atravessou a vida de Madre Teresa de Calcutá.
66 anos de correspondência entre esta pequena albanesa, que fez voto de castidade e pobreza, para se dedicar ás crianças de Calcutá. Trata-se de cartas trocadas, ao longo de uma vida, com os seus confessores e superiores, mostrando que a santidade é humana, e sempre rara.
Vem de dentro, do fundo de uma dúvida, imensamente humana, prque é de cada um de nós, a dada altura. A dúvida que nunca pôs em causa o caminho de inequívoca santidade de práticas, um cumprimento de dever de dádiva auto imposto, em nome de algo maior maior ainda que a própria fé. Admirável.
Ela fala, nessa correspondência agora revelada, em sentimentos de terror interior, de “tortura” e de “solidão”, e menciona mesmo a sua dúvida sobre a existência de Deus.
O seu sorriso, escreve-se neste livro, sempre foi uma máscara para esconder a tristeza tortuosa que estas dúvidas sempre lhe provocaram.
A sua angústia perante o silêncio de Deus é impressionante, porque resume décadas de uma dúvida fulcral, mas só agora revelada:
“… o silêncio e o vazio é tão grande - que olho e não vejo - Escuto mas não ouço. A língua mexe-se [na oração] mas não fala... Quero que reze por mim", escreveu ela em 1979, numa carta enviada ao padre Michael Van Der Peet três meses antes de ir a Oslo receber o Nobel da Paz.
Mas a dúvida já vem de muito antes. Em 1959: “Se não houver Deus, não pode haver alma, se não houver alma, então, Jesus também não é real”.
O seu processo de canonização não sera travado pela dúvida exposta nestas cartas (que ela aliás queria ver destruídas), e o Papa já falou, vagamente, do assunto, mas sem esclarecer o que vai a contecer ao processo. Para mim a canonização não tem grande importância, e o próprio Papa deve perceber que haverá mais fieis em todo o mundo inspirados pela exemplo da pequena missionária albanesa do que em qualquer exemplo dele próprio, mas é uma reacção sintomática.
Madre Teresa é maior que o dogma, não por palavras nem cargos, mas pelo exemplo da vida que levou. E ainda se torna uma figura mais extraordinária, para mim, agora que se conhece esta sua faceta.
O livro é lançado amanhã, nos Estados Unidos. Aguardo a edição portuguesa com ansiedade.

10 Comments:

At 10:52 da tarde, Blogger Just a blog said...

Não só uma pessoa crente mas admiro quem o é mesmo como é o caso e penso que este mundo seria melhor se existinsem mais pessoas como esta grande senhora que dedicou-se de corpo e alma a ajudar os que mais necessitavam e também se cada 1 de nós fizesse só 1 milésima parte de certeza que este mundo era bem melhor, mais justo, mais digno, um lugar mais belo.
Com benção papal ou não foi e será sempre uma grande figura da história.
O meu obrigado por isso mesmo não sendo crente.

 
At 10:53 da tarde, Blogger pedro said...

Ainda que bastante fraca, mal explorada e pouco aprofundada (parecia um copy de um press tirado da net), a reportagem da visão desta semana, também me aguçou a vontade de ler o referido livro. Tanto quanto sei, estes manuscritos fazem parte do processo de canonização. Para mim, crente cristão, e pelos vistos para esta parte da Igreja que decidiu divulgar as tais cartas, não há qualquer problema em ter dúvidas. Como dizia um Frei meu amigo quando iniciava as suas aulas de catequese, "espero que saiam daqui, ainda com mais dúvidas do que quando entraram".

 
At 11:17 da tarde, Blogger sonia farmaceutica said...

Eu li a reportagem da Visão e também fiquei com imensa vontade de ler o livro. Para mim as dúvidas de fé de Madre Teresa não diminuem o seu valor nem a sua santidade! As dúvidas dão muito maior valor à sua obra. Aí daquele que nunca duvidou...quem nunca duvida acomoda-se à sua fezinha sem tentar chegar mais longe, a uma verdadeira fé. Madre Teresa de Calcutá tem, para mim, hoje muito mais valor do que antes de vir a público estas cartas. A dúvida existiu porque Deus fazia parte da sua vida. Se ela não acreditasse em Deus também não teria dúvidas.

 
At 1:13 da manhã, Blogger Unknown said...

Com a miseria que viu toda a sua vida só a acho mais humana pela dúvida demonstrada...E repito, com a miseria nas pessoas à sua volta quem não questionaria ou questiona a existência de Deus??
Pat.

 
At 9:03 da manhã, Blogger Formiguinha said...

Também eu comprei esta semana a Visão para saber mais sobre esta pequena grande senhora. Claro que a dúvida faz parte da existência e quando não questionamos o caminho por que seguimos é que me parece muito grave.

Bêjos

 
At 11:37 da manhã, Blogger SoNosCredita said...

mto interessante...

 
At 12:35 da tarde, Blogger Andreia Azevedo Moreira said...

É verdade... De onde nos vem a fé quando à nossa volta tantas situações desesperadas. Inexplicável. Ainda assim, somos mais cheios quando fazemos "o bem". É nisso que eu acredito. Ainda que não exista Deus (embora eu acredite Nele) existe a Lei da Acção-reacção. Mais vale que nos sejam devolvidas boas acções e sentimentos positivos!

 
At 3:04 da tarde, Blogger AnaBond said...

uma grande mulher... sempre foi e sempre será.

 
At 5:50 da tarde, Blogger blimunda sete luas said...

Também eu!! :-)

 
At 12:05 da tarde, Blogger Carrie said...

"Que ela aliás queria ver destruídas"... Esta parte não me sai da cabeça. A parte em que se desrespeita abertamente a vontade de alguém depois de morto. Em nome de quê?

 

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